quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Léo e Bia... Capítulo 15


Capítulo 15 – Tudo errado

Nós os chamamos de fracos... Os que são incapazes de resistir... À mais exígua chance de que pode existir amor... E por causa disso abandonam tudo...
Standing Outside The Fire  - Garth Brooks

-Oi, tu viste o Léo? – era o terceiro amigo que perguntava sobre o paradeiro do meu namorado depois que saí da aula.
-Não, Bia. Não vi o Léo hoje.
-Obrigada.
Continuei andando pelo campus da Federal muito movimentada ainda por estarmos já em meados de dezembro. Mas isso eram resquícios da greve dos professores e funcionários que enfrentamos depois de setembro. Tendo que compensar todas as aulas até janeiro, só pausando no Natal e no Ano Novo.
Depois do episódio da Daniela, nunca mais lembrado, diga-se de passagem, eu e Léo estávamos muito bem.
Ta... Teve aquela vez que quase voei no pescoço de uma vaca na festa da república do Dé e o dia que Léo “exigiu educadamente” que o cara se retirasse da festa por estar encarando minha bunda.
O monstro do curral também apareceu algumas vezes, fazendo com que Léo rebolasse para conseguir o meu perdão.
Mas tirando isso, estávamos em paz. Até Maria Elisa havia sido tirada de sua lista de conversas primordiais, fazendo-me respirar aliviada, principalmente depois que contei sobre meu namoro, ainda tendo que ouvir...
“Vindo de você não é algo que me espanta, Maria Beatriz. Começar a namorar quinze dias depois da sua volta a Santa Maria com um peão de fazenda. Agora para completar só falta cometer o mesmo erro que eu...”
Sim, para minha mãe eu era seu maior erro.
Mas isso guardaria dentro de mim, não querendo chatear o pai, que era uma das pessoas mais especial para mim, se desdobrando entre seu papel e o de mãe. E muito menos Léo, que teria apenas dó por eu não ter a família tão perfeita como a dele.
Avistei André do outro lado do campus e corri até ele para ver se pelo menos o melhor amigo tinha alguma noticia sobre meu namorado.
-Dé – gritei.
-E aí, Bia, beleza? – sempre tão sossegado.
-Sim. Tu viste o Léo?
-Ele saiu depois da primeira aula e não falou para onde ia.
-Estranho.
-O que é estranho? – Jessy se aproximou, beijando o namorado.
-Seu irmão sumiu.
-Serve aquele? – apontou de onde vinha o barulho estrondoso daquele trio elétrico que Leonardo ainda intitulava de caminhonete.
-Onde tu estavas? – não deixei o pobre nem estacionar direito.
-Oi, pequena – beijou minha boca. – Também vou bem, e ti?
-Não enrola, Leonardo. Onde estavas? – sim, nós éramos possessivos.
-Fui comprar isso aqui – sacudiu um envelope.
-O que é isso?
...
-Tu só podes estar brincando – entrei em casa feito um furacão
-Me escuta, Bia – Léo veio logo atrás ainda segurando as malditas passagens para São Paulo, que havia comprado com data para depois do Natal.
-O que está acontecendo aqui? – João veio da cozinha com a maior calma do mundo.
-Pergunte para seu genro, que teve a brilhante ideia de me levar para São Paulo – os dois se entreolharam, cúmplices. – Tu sabias – explodi. – O que é isso, um complô?
-Calma, Maria Beatriz. O Léo só acha certo conhecer sua mãe – gargalhei nervosa.
-Que lindo, vai pedir minha mão também para ela? Se prepare, Maria Elisa não é tão convencional e pode ser que até ria da tua cara – desdenhei, vendo-o baixar o olhar.
Porra!
A última coisa que queria nesse mundo era brigar com Léo, mas pensar na possibilidade de voltar para a casa de Maria Elisa me deixava completamente fora de mim.
-Desculpa, amor – respirei fundo, me aproximando e tocando seu rosto.
-Pequena, eu pensei em algo diferente para nosso Ano Novo e São Paulo é apenas uma delas. Sempre fui louco para conhecer aquela cidade e o seu litoral... Então pensei... – não poderia fugir para sempre e vendo que Léo só tinha boas intenções com essa viagem, resolvi arriscar.
-Tudo bem, nós vamos – os dois se olharam cúmplices novamente antes de Léo me abraçar, tocando nossos lábios com um selinho.
-Nada vai acontecer, pequena. Eu vou estar contigo.
-Eu sei.
Não, eu não sabia. E estava morrendo de medo.
...
-Calma, estou aqui – Léo tentava esquentar minhas mãos gélidas enquanto esperávamos nossas bagagens aparecer na esteira. – Que porra é aquela, pequena. Andar de avião é muito bom – sorri da sua animação e beijei seu rosto.
-E só de imaginar que foi em um aeroporto como esse onde tudo aconteceu.
-Onde tu me atropelaste quer dizer – apertou minha cintura, mordendo de leve meu pescoço. – Mas tenho que agradecer para sempre nossos destinos – segurou minha nuca, dando-me um beijo de tirar o fôlego.
-As malas, Léo – gritei quando as vi passar por nós, rindo.
Saímos da sala de desembarque nos deparando com Maria Elisa e isso fez com que fechasse completamente o sorriso de minutos atrás.
E que nossa senhora me ajude.
-Meus queridos – ela veio sorrindo ao nosso encontro.
-Oi, mãe – recebi seu abraço, contrariada, virando para apresentar Léo, porém para variar Maria Elisa foi mais rápida.
-Então é esse o peão que conquistou minha filha assim que ela pisou em Santa Maria? – revirei os olhos, da ironia que só eu percebia em suas palavras.
-Prazer, Dona Maria Elisa. Sim, sou eu o namorado da Maria Beatriz – eles se cumprimentaram educadamente.
-Vamos. Quero levá-los em um restaurante maravilhoso que reservei para jantarmos.
-Não precisa se incomodar – Léo me cutucou. Mas ele não a conhecia como eu.
-Faço questão, filha. Sabe há quanto tempo não nos vemos? – tocou meu rosto, tentando parecer carinhosa.
-Dez meses – contados todos os dias, por conta da felicidade de volta a minha vida.
...
-E você toma conta da fazenda? – Léo não havia soltado da minha mão desde que chegamos ao restaurante.
-Sim. Faço veterinária, mas acompanho meu pai desde criança nos cuidados da fazenda – sorri orgulhosa dele. – E a senhora faz o quê? – Léo era fogo.
-Trabalho em uma empresa de cosméticos desde que viemos para cá. Graças a Deus, mesmo tendo engravidado com dezoito anos, consegui terminar os estudos e hoje tenho uma ótima colocação – me remexi na cadeira, incomodada, não passando despercebida por meu namorado.
-Vamos?  Gostaria de te mostrar alguns lugares da cidade – toquei seu rosto lindo, que tentava transparecer o mais pacífico possível.
-Vamos sim.
-Podem usar meu carro – Maria Elisa ofereceu. – Vou ficar em casa a espera de alguns amigos.
-Não precisa. Obrigada.
-Essa menina, nunca parou em casa – balançou a cabeça, irritando-me.
-Quem sabe o motivo pelo qual nunca fiquei em casa, não seja justamente, não me sentir bem ao lado dos teus novos amigos – senti Léo contrair seu corpo ao meu lado.  – A gente se vê amanhã – levantei sendo acompanhada por ele.
-Boa noite, meus queridos – ela não mexeu um dedo, ainda com sua taça de vinho nas mãos. – Ah, filha, preparei seu quarto para os dois. Fiz certo?
-Você sabe que sim. Vem Léo – o puxei.
-Quer conversar? – disse beijando meu ombro, já dentro do táxi.
-Falar o quê? Que odeio São Paulo? Vim para cá contra minha vontade, por causa de um pedido teu e do pai, as pessoas que mais amo nessa vida. Ou que me dou super bem com minha mãe? – fui irônica. - Coisa que tu percebeste desde Santa Maria.
-Bia, olhe para mim – segurou meu rosto entre suas mãos.  – Por que não gosta dos amigos da tua mãe? Eles não foram loucos de...
-Não! – gritei, chamando atenção do taxista. – Claro que não – minha garganta começou a ficar seca. – Minha mãe se comporta como se tivesse dezoito anos, Léo. É baladeira e tem amigos com os mesmos pensamentos, e eu... – senti meus olhos lacrimejarem – não sou assim.
-Eu sei quem tu és, pequena. - Não. Tu não sabes. Solucei. Leonardo não conhecia nem de perto a Maria Beatriz de São Paulo e isso me deixava ainda mais triste.
-Eu não aguentava ficar em casa e conviver com aquilo. Por isso ela diz que não parava lá. Saia sempre com alguns amigos da escola e depois da faculdade, mas quando chegava em casa tinha que lidar com a bagunça no apartamento e muitos sermões, como se ela tivesse alguma moral. Isso acabava comigo... – desabafei.
-Chegamos – o taxista anunciou.
-Vamos nos divertir – Léo beijo minhas lágrimas, encerrando parcialmente o assunto. E percebi enquanto ele pagava o taxista, como estava arrependido por ter forçado algo que agora via que não me fazia bem, mas agora ja era tarde. Nós já estávamos ali.
Assenti e entramos no barzinho, que era animado por uma banda ao vivo cantando MPB.
Tentei esquecer momentaneamente minha mãe e me entreguei nos braços do meu peão que estava fazendo de tudo para que eu me sentisse melhor.
Eu devia isso a ele, então nos divertimos, bebemos e cantamos juntos.
-Isso é bem legal – sorri vendo tua animação novamente. Era tudo novo para Léo. Desde o avião até a cidade grande.
-Eu gosto. Tem umas bandas legais e o lugar é arejado. As vezes passo mal em ambientes muito fechados, sabia? – beijei teu pescoço depois de gritar no seu ouvido por conta da música alta.
-Mas tu gostas da Kiss – repetiu meu gesto.
-Gosto – balancei a cabeça. – Acho que sim. Fomos lá só umas três vezes também – ele confirmou. – Eu gosto, mas não prefiro, entende?
-Não – gargalhamos – Tu és complicada demais guria.
-Não viu nada ainda – o beijei tentando não aprofundar o assunto para que  todos os problemas se dissipassem enquanto nossas línguas brincavam, junto com as mãos que subiam e desciam, nos deixando bem animados.
-Tu estás me deixando doido, pequena – se esfregou em mim, para que eu tivesse certeza do que estava falando.
-Vamos sair daqui – falei sem ar, sentindo uma mão na minha bunda e a outra na nuca.
-Só se for agora – corremos até a entrada do bar como duas crianças travessas, mas parei quando escutei alguém chamar meu nome.
-Bia – olhei para trás e vi que era Rodrigo, um dos amigos da época de balada.
-Oi! – na hora senti o corpo do meu peão se contrair como uma armadura, fechou os braços na minha cintura.
-Quanto tempo, menina. Fiquei sabendo que foi embora – se aproximou dando-me três beijinhos, que não pude recusar conforme rezava a educação.
-É eu fui. Esse é meu namorado Leonardo – o apresentei antes que o monstro do curral aparecesse.
-E aí, cara. Prazer, Rodrigo.
-Prazer – Léo estendeu tua mão a contragosto e a outra, automaticamente foi parar na minha bunda. Sorri me lembrando do episodio da Daniela.
-A gente já estava de saída.
-Foi bom te ver. Vê se aparece, ou liga.
-Ok! Até mais, Rodrigo.
-Até.
Passamos pelo caixa em um silêncio assustador. Só era essa que me faltava.
-Léo – o empurrei na parede, já fora do bar.
-O quê? – ele estava bravo.
-Tu não ficaste bravo por causa do Rodrigo, certo?
-Disse que ligaria para ele – esbravejou.
-Não. Eu não disse. Só fui educada.
-Já ficaste com ele?
-Oi?
-Tu entendeste muito bem a pergunta, Maria Beatriz.
-Por que isso agora, Leonardo? – saí andando – se fosse fazer cara feia para todas as garotas que tu pegaste em Santa Maria, estaria perdida.
-Tu faz! Até com aquelas que não peguei – pegou meu braço com força, me fazendo parar. – Então ficou mesmo com aquele mauricinho – ele estava afirmando.
-Táxi – estendi minha mão livre, vendo o carro parar ao nosso lado.
-Pode ir, parceiro. A gente ainda não terminou por aqui.
-Ficou maluco. Isso não é Santa Maria não, Leonardo – gritei.
-Tu ficaste com ele? – gritou de volta.
-Nos beijamos uma vez. Satisfeito? – ergui minhas mãos para o alto – porque tu sabes mais do que ninguém que pertenço a uma única pessoa.
-A mim – se aproximou, tocando meu rosto.
-A um peão louco, marrento e possessivo – ele agarrou minha cintura.
-Pode até ser, mas não fui eu que quase joguei desinfetante de morango na cara de uma guria. E olha que aquela eu não tinha pegado – bati no seu peito, já presa nos seus braços.
-Vai lembrar isso para o resto da minha vida?
-Se precisar... – Léo ergueu meu rosto com a ponta do nariz. – Somos dois loucos ciumentos.
-Tenho que concordar – sorri, o abraçando.
-Será que podemos ir agora? Não estou aguentando dentro da minha calça.
-Tu que dispensaste o taxi, agora trate de arrumar outro – dei de ombros e saí andando na frente.
...
-Ora, ora que as crianças chegaram cedo – abri a porta do apartamento me deparando com Maria Elisa e um cara, que parecia estar de saída.
-A gente vai para meu quarto.
-Estou indo. A gente se vê, gata – ele beijou minha mãe que sorriu, fazendo com que eu virasse o rosto, sendo amparada por Léo.
-Vem, vamos para o quarto – o puxei pela mão.
-Esperem. Não querem beber nada? – ela apontou para o bar e ali pude ver que estava alterada.
-Não – fui fria.
-Sempre tão certinha! Quem vê pensa... – desdenhou.
-Pensa o quê?
-Bia, vamos para seu quarto – foi a vez de Léo me puxar.
-Não – soltei seu braço, explodindo. – Qual é o teu problema comigo?
-Eu queria que tivesse sido mais inteligente – ela riu, ironicamente.
-Como você não foi, certo? Engravidando e estragando tua vida aos dezoito anos?
-Te trouxe para cá tentando abrir seus horizontes. Queria você conhecendo o mundo, mas escolheu a vida provinciana do seu pai – olhou para Léo.
-Escolhi ser feliz – gritei, começando a chorar.
-O que entende de felicidade, menina?
-Bem mais que ti, eu não precisei viver como uma qualquer a vida inteira para encontrar essa felicidade que enche tanto a boca para dizer. Tenho pena dos chifres que meu pai levou – ela levantou a mão, batendo com força no meu rosto.
-Nunca mais repita isso. Eu nunca traí seu pai.
-Bia – Léo me segurou, ainda em transe com nossa briga.
-Por que não me deixou com ele? – solucei. – Por que não me abandonou quando eu nasci?
-Queria um futuro melhor para você.
-Que futuro? Mudar para São Paulo e vê-la trazer um homem diferente por dia para esse apartamento? Você não sabe o que é o amor, Maria Elisa – balancei a cabeça.
-E o que entende sobre isso, garota? O que esse peão te dá?
-Limpe sua boca para falar dele! – respirei fundo – Respeite pelo menos a pessoa que conseguiu o que você nunca tentou...  – perdi as forças das pernas e se Léo não me segurasse tinha ido para o chão – me fazer feliz. Você é suja, Maria Elisa. Eu tenho vergonha de ser tua filha.
-E você uma menina ridícula que agora vai para seu quarto se entupir com aqueles remédios. Ainda bem que hoje quem te faz feliz – ela ironizou – vai levá-la para o hospital, porque minha cota de salvar suicida já se esgotou – avancei para cima dela, querendo matá-la. Ninguém sabia disso. Nunca havia tocado no assunto desde que cheguei em Santa Maria.
-Sua... – esperneava no colo de Léo. – Eu nunca tentei me matar, só queria dormir – fui ficando fraca e senti que surtaria a qualquer momento.
-Vem, amor. Eu vou cuidar de ti – meu namorado ainda assustado, por nunca ter presenciado algo tão feio, me aninhou em seus braços. – E a senhora deveria ter vergonha em deixar tua filha chegar nesse estado.
-Quem você pensa que é para me dar lição de moral, garoto?
-A pessoa que mais ama tua filha nesse mundo – ela ia retrucar, mas percebeu que faria isso com tuas próprias palavras. – Não precisa dizer nada, Dona Maria Elisa. Agora percebo que o maior erro aqui foi o meu, de incentivar essa viagem. E para mim, não adianta bancar essa pose, porque na verdade não passa de uma coitada. Vem, pequena – me ninou nos braços. – A senhora pode ter desejado que sua filha conhecesse o mundo e deve me odiar por isso, mas eu só quero que ela seja feliz. E  se depender de mim, nunca mais colocará os olhos nela – escutava tudo muito longe, então percebi que Léo começou a caminhar, abrindo a porta do meu quarto.
Quando entramos fui direto para o banheiro em busca do meu remédio.
-O que tu pensas que esta fazendo? – Léo me pegou pelo braço, voltando para o quarto.
-Eu preciso tomar meu remédio – sentia meu corpo cada vez mais fraco.
-Não, tu não precisas. Eu estou aqui – ele beijava meu rosto, agarrando-me ainda mais a ele,  Léo também estava no seu limite.
-Nunca tentei me matar, amor. Nunca.
-Shiu.
-Só queria dormir.
-Vai passar.
-Eu sou um erro, ninguém nunca vai me amar – não sabia mais de onde tinha força para falar. – Preciso do meu remédio.
-Eu estou aqui, tu não precisas mais deles – senti o corpo de Léo tremer e quando ergui os olhos, vi lágrimas saindo dos seus olhos. – O que ela fez contigo, pequena.
-Eu não queria vir – voltei a chorar baixinho.
-Eu sei, meu amor, agora eu sei. Calma, nós vamos dormir e amanhã te levarei daqui.
-Você está com pena de mim, não quero que me ache maluca. Eu não sou... – meus olhos começaram a fechar. – Tu estás com vergonha de mim. Precisa ir embora – o empurrei.
-Nunca sentiria vergonha de ti. Vai ficar tudo bem, eu te amo e não irei a lugar algum – apertou-me ainda mais no seu colo.
Escutando aquela declaração apaguei, já não tinha mais forças.
Léo havia conhecido a verdadeira Maria Beatriz.
Aquela que surtava por conta de qualquer coisa.
Aquela que se sentia a pessoa mais rejeitada desse mundo.
Aquela que nunca mais havia aparecido depois de voltar a ser feliz.

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